32.8 C
Belém
domingo, setembro 29, 2024
Descrição da imagem

Vida e Literatura: Eneida, Luciana e o “Banho da Felicidade”

Date:

Descrição da imagem

Junho tem encantarias que podem inverter a lógica das coisas. Pode parecer exagero, mas a professora e doutora em Literatura Brasileira Luciana Rayol mostra que não. Um história que envolve uma escritora paraense, um texto de 1962 e a mãe dela ensina que a arte imita a vida. Sim, é isso mesmo que você leu. Luciana resgatou uma tradição a partir do amor pela Literatura paraense e depois descobriu que o banho de cheiro já estava entranhado no genes dela havia muito tempo.

Inspirada na crônica “Banho de cheiro”, publicada pela escritora paraense Eneida de Moraes em 1962, Luciana Rayol há dez anos vai à Feira do Telégrafo todos os anos, no mês de junho, para comprar as ervas junto de sua mãe, Ana Lúcia, e fazer aquele banho de cheiro para renovar as energias.

“Tive uma professora tanto no Ensino Médio quanto na faculdade, a professora Josebel Fares. Ela, assim como eu, era muito apaixonada pela Eneida e, por meio dela, conheci essas crônicas. Na época em que havia leituras obrigatórias para o vestibular, Eneida fazia parte dessas leituras. A professora Jose sempre compartilhava esse texto, onde a escritora fala das ervas usadas para o banho de cheiro, uma tradição familiar em que faziam uma festa e tomavam banho à meia-noite’”, conta.

Diferente de muitos paraenses, Luciana faz questão de comprar todas as ervas, que ela anotou para não esquecer como se faz o “Banho da Felicidade”, maneira que Eneida de Moraes menciona o ritual na prosa imortal que define a tradição junina para os belenenses. 

Leia mais:

Vídeo: à meia noite, tomarei teu banho de cheiro, São JoãoTradição é atualizada com banho de cheiro “engarrafado”Vídeo: culturas afro e indígena temperaram o banho de cheiro

O banho leva patchouli, catinga de mulata, oriza branca, oriza roxa, manjericão, chama, canela, alecrim, vindecá, pau de Angola, japana, carrapatinho, priprioca, abre-caminho, chega-te-a-mim, chora-nos-meus-pés, arruda e anjo-da-guarda, colocados na medida certa para que os desejos sejam realizados.



Em meados de 2014, na época da Copa do Mundo do Brasil, a educadora teve a ideia de fazer o banho junto de sua mãe. Ela só não fazia ideia de que esse era um hábito de sua bisavó em datas festivas, como o São João e o final de ano.



De filha para mãe, o Banho da Felicidade 

“Anos e anos depois, fiz esse pedido à minha mãe sem nem saber que ela tinha essa tradição com a avó dela. De certa forma, considero que retomamos. Quando falei para minha mãe, ela me deu uma lista de todas as ervas para o banho de cheiro. Anotei no celular para não perder”, recorda.

“Todo ano, vamos à Feira do Telégrafo, onde uma senhorinha numa das esquinas da Senador Lemos tem todas as ervas (necessárias). Compramos, colocamos a capelinha na cabeça e voltamos para casa. Minha mãe coloca as ervas numa bacia, macera-as e coloca água. Depois, deixamos a mistura no sol e no sereno, e no dia seguinte tomamos o banho de cheiro. Não tomamos à meia-noite como Eneida e sua família, mas tomamos o banho pensando em coisas boas e positivas. Eneida também chama esse banho de ‘banho da felicidade’, o que acho muito bonito”, explica

Desde 2014, Luciana e Ana fizeram o banho todos os anos, tornando-o uma tradição entre família e amigos, depois ficando apenas entre elas, já que os demais, que antes participavam, mudaram de cidade e hoje optaram pelo banho engarrafado.

“Aquela sensação de que vai ser melhor se tomarmos o banho”

Sobre tomar o banho de cheiro, a professora Luciana expressou que só quer passar energias positivas e a sensação de que tudo (mesmo o que já está bom) vai melhorar.  

“Não, (não tem) nada específico. É só aquela sensação de que vai ser melhor se tomarmos o banho. Não pedimos nada específico. Só felicidade no geral. Felicidade são momentos. Não é uma constante. E temos nossos momentos”, diz.

Ela acredita que a tradição do banho de cheiro está se adaptando à uma nova realidade de consumo, mas que continua viva e que não dá vestígios de que um dia vai cair no esquecimento.

“Não digo que está se perdendo, mas modernizando, digamos assim. Vejo muita gente já comprando o banho pronto. No final do ano a mesma coisa. Não querem muito ter o trabalho de compras as ervas, macerar. Talvez até por não conhecerem direito. Aí já compram algo pronto, em loja mesmo ou nas erveiras do Ver-o-Peso”, finaliza. 

Leia um trecho da crônica “Banho de cheiro”, de Eneida de Moraes.





Reportagem: Lucas ContenteEdição: Anderson AraújoImagens: Acervo pessoal

Compartilhe

Descrição da imagem

Mais Acessadas

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here

Descrição da imagem