O país recentemente assistiu, estarrecido, dois casos de envenenamentos intencionais que provocaram mortes em famílias em pontos extremos do país. Em Parnaíba, no litoral do Piauí, um homem está preso suspeito de envenenar a família da própria esposa colocando chumbinho em um baião de dois consumido por eles em um almoço no dia 1º de janeiro, o que acabou com quatro mortes e cinco hospitalizações – inclusive ele mesmo chegou a ser internado. E em Torres, no Rio Grande do Sul, uma mulher também está presa sob a acusação de ter colocado arsênio em um bolo que foi comido por familiares do marido em uma confraternização de fim de ano, resultando em quatro óbitos e duas internações.
Em ambos os estados, as polícias civis se pronunciaram afirmando que passarão a investigar casos do tipo de forma mais atenta, principalmente para saber como esses produtos, que tem comercialização proibida justamente pelas propriedades altamente toxicas que possuem, estão sendo facilmente alcançados.
O DIÁRIO ouviu o doutor em Toxicologia pela Universidade de São Paulo (USP) e professor e pesquisador da Universidade Federal do Pará (UFPA), José Luiz Fernandes Vieira, sobre os riscos do contato com esses tipos de substâncias, e ele explica que nas ocorrências de intoxicação intencional são comuns o uso de medicamentos e praguicidas como o chumbinho, que pode ser um organofosforado – como se deu no Piauí – ou carbamato. Como o organismo vai reagir depende muito de como acontece esse contato.
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“Depende das características de cada substância, além da via de contato, como a inalação ou ingestão. Quanto menor a dose capaz de provocar um efeito nocivo, maior será o perigo da exposição àquela substância”, detalha o estudioso, que atualmente coordena o Laboratório de Toxicologia / Farmacocinética de Antimaláricos da UFPA. “É por isso que são realizadas uma série de estudos de toxicologia com determinada substância antes de liberar seu uso pela população”, complementa.
José Luiz lembra ainda que também há as situações de intoxicação acidental, geralmente por medicamentos e produtos de limpeza, que são mais comuns no ambiente domiciliar. Já no ambiente externo, em especial, próximo a área de matas, podem ocorrer acidentes com animais peçonhentos, como cobras e escorpiões, e plantas tóxicas.
O grau de letalidade da substância, seja em situação intencional ou acidental, pode variar bastante. “Cada substância química exerce um efeito no organismo, de acordo com suas propriedades. Alguns são inespecíficos e outros específicos, afetando determinado órgão. A princípio, todos os órgãos podem ser afetados, e os primeiros sinais de envenenamento são observados nos órgãos de maior fluxo sanguíneo: coração, pulmões e sistema nervoso central”, alerta.
PERIGO
O mais preocupante quando o assunto é se proteger de uma tentativa de envenenamento é que, segundo o doutor em Toxicologia, a maioria das substâncias envolvidas nas intoxicações intencionais não tem odor ou sabor. E caso tenha, são usadas em pequena quantidade, como por exemplo, diluídas em água, para mascarar seu odor ou sabor. Em alguns casos, podem ser administradas várias vezes para alcançar os efeitos tóxicos – foi o que aconteceu no caso do bolo contaminado por arsênio.
“Dado seu potencial de causar efeitos nocivos em baixas doses, o composto foi dissolvido em componentes do bolo para mascarar seu sabor”, relaciona o professor e pesquisador.
“Em formulações de praguicidas que tem forma de granulados, conhecidos como chumbinho, e em alguns comprimidos é possível observar visualmente a presença de grânulos ou partes do comprimido não dissolvidos, de acordo com a cor do líquido ou do alimento sólido”, orienta.
Fernandes Vieira faz questão de mencionar que os inseticidas comercializados atualmente para a população em geral são isentos de odor e sabor, o que transmite uma falsa sensação de segurança. “Mas o princípio ativo está presente para exercer sua ação”, reforça. Já aqueles destinados à agricultura podem apresentar odor ou sabor mais intenso.
SINTOMAS
Dependendo da substância química, como nos casos de agentes irritantes, podem ser observadas náuseas e vômitos. Casos de alteração de humor, fala arrastada, dificuldade de andar, palpitação, salivação, cianose periférica, isto é, dedos e lábios arroxeados, são alguns exemplos de sinais e sintomas de intoxicação.
“De imediato, deve-se evitar que a pessoa se sufoque com o vômito. Se ocorrer, não ajuda, muito pelo contrário, administrar líquidos pela via oral, inclusive leite. O correto é procurar ajuda médica na mesma hora em instituições de saúde particular ou pública”, ensina.
Nos casos não graves, a referência é o Centro de Informações Toxicológicas do Hospital João de Barros Barreto (CIT-Belém), que oferece orientação de profissionais especializados.
Outras fontes de intoxicação
Alimentos e bebidas com prazo de validade expirado ou expostos à condições adversas – falta de refrigeração, mofo, bactérias – também podem oferecer riscos. Neste caso, a maioria dos episódios se refere à exposição às toxinas produzidas por fungos e bactérias, podendo levar a casos leves ou graves de gastroenterite.
“Também há possibilidade de exposição a metabolitos dos fungos, como as aflatoxinas, presentes na castanha-do-brasil, no amendoim, e ocratoxina, presente no café e em outros grãos, o que pode acarretar em uma possível intoxicação por exposição a longo prazo, isto é, após anos de consumo do alimento contaminado”, atesta o docente.
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Por fim, José Luiz explica que, dentro de casa, são as crianças que apresentam maior risco de exposição às substâncias químicas, como os medicamentos e saneantes, que possam estar armazenados de forma inadequada, assim como a algumas plantas consideradas tóxicas.