A Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE-PA), por meio do Núcleo das Defensorias Públicas Agroambientais, divulgou hoje (12) o relatório “Monitoramento dos casos de violência por motivação agrária e fundiária no município de Anapu – anos de 2015 a 2024”. O documento reúne informações sobre processos relacionados à violência agrária no município do sudoeste paraense, que ganhou notoriedade mundial em 2005 após o assassinato da missionária e ativista Dorothy Stang.
Há vinte anos, em 12 de fevereiro de 2005, a missionária Dorothy Stang, ativista pela reforma agrária e pelos direitos dos trabalhadores rurais, foi assassinada com sete tiros em uma estrada de Anapu, em um crime encomendado por fazendeiros da região. Antes de ser morta, aos 73 anos, Irmã Dorothy, como era conhecida, enfrentou inúmeras ameaças. A visibilidade gerada pelo caso chamou a atenção para o clima de tensão causado pelos conflitos fundiários no Pará. Duas décadas depois, a situação persiste, assim como a resistência das comunidades afetadas.
Desde o início de suas atividades, em 2010, o Núcleo das Defensorias Públicas Agroambientais da DPE-PA monitora os processos e acompanha as famílias afetadas pelos conflitos agrários no estado. Os casos recebidos pela Defensoria são compilados em um documento que também inclui informações obtidas por meio de busca ativa e de organizações que atuam na defesa dos trabalhadores rurais, como a Comissão Pastoral da Terra.
Em 2022, o Núcleo publicou o “Relatório de Monitoramento dos casos de homicídios por motivação fundiária e agrária no estado do Pará – anos de 2002 a 2022”. Na ocasião, Anapu liderava o ranking dos municípios paraenses, com 15 processos de homicídio relacionados a conflitos agrários, seguido por Marabá e Novo Progresso.
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Para o relatório de 2025, os indicadores foram ampliados para incluir, além de homicídios, outras formas de violência. O documento revela que, entre 2015 e 2024, foram identificados 23 casos de violência contra trabalhadores rurais em razão de disputas por terras na zona rural.
Mais que números, uma ferramenta de proteção
Para a coordenadora do Núcleo das Defensorias Públicas Agroambientais, defensora pública Andréia Barreto, o relatório não é apenas um levantamento numérico, mas também um instrumento de proteção às comunidades afetadas.
“O relatório é importante, sobretudo, como uma medida preventiva, para que possamos avaliar institucionalmente como realizamos esse monitoramento. Atuamos diretamente no atendimento às famílias, que inclui demandas de saúde, assistência a vítimas de violência, escolta policial e inclusão no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos para lideranças ameaçadas. O objetivo não é apenas registrar homicídios, mas fortalecer a atuação preventiva para a proteção da vida e da integridade física”, destaca a defensora.
Os números da violência no campo
O relatório aponta um total de 23 casos de violência por motivação agrária e fundiária identificados entre 2015 e 2024 em Anapu, incluindo homicídios, tentativas de homicídio, ameaças e desaparecimentos. Nenhum dos casos envolve comunidades indígenas, quilombolas ou tradicionais.
Chama a atenção o fato de que não houve novos registros na Defensoria nos anos de 2023 e 2024. No entanto, isso não significa necessariamente uma redução da violência, mas pode indicar um quadro de subnotificação, decorrente de dificuldades como o acesso limitado à internet e as grandes distâncias que as comunidades precisam percorrer para fazer uma denúncia.
O detalhamento dos 23 casos traz outras informações relevantes. Oito processos não foram encontrados por falta de registro do nome da vítima. Entre os 15 processos restantes, sete ainda estão em tramitação:
- Um em segredo de justiça;
- Quatro em fase de instrução, sem sentença;
- Dois com sentença de pronúncia por homicídio;
- Um com sentença condenatória, ainda passível de recurso.
Outros oito processos tiveram os inquéritos arquivados porque a investigação policial não conseguiu identificar os responsáveis pelos crimes.
O arquivamento de casos por falta de autoria é um problema recorrente nos crimes de violência agrária e contribui para a perpetuação da impunidade.
“Um dos principais entraves nesses casos é a fase inicial da investigação criminal, pois muitos inquéritos acabam arquivados por não se chegar à autoria. Isso gera um ciclo de impunidade e violência, pois os mandantes e executores dos crimes não são responsabilizados”, afirma a defensora Andréia Barreto.
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A realidade dos trabalhadores rurais em Anapu
Na região de Anapu, as maiores ameaças aos trabalhadores rurais continuam sendo o desmatamento e a grilagem de terras. O município está localizado às margens da Rodovia Transamazônica, cuja construção na década de 1970 incentivou uma ocupação desordenada, reunindo populações tradicionais, migrantes, madeireiros, grileiros e grandes proprietários de terra. A situação se agravou devido à falta de planejamento e políticas públicas adequadas.
Para a defensora Andréia Barreto, relembrar a vida e o assassinato de Irmã Dorothy também é uma forma de honrar todos aqueles que lutaram e ainda lutam por justiça no campo.
“Quando relembramos o assassinato de Irmã Dorothy, também resgatamos a memória de todos os trabalhadores e trabalhadoras que perderam suas vidas na luta pela reforma agrária, pelo acesso à terra e pela proteção da floresta. E de todos aqueles que continuam nessa resistência. A história dela não é apenas um símbolo, mas um alerta sobre a violência no campo. Este relatório contribui para uma análise mais concreta dos casos e para o acompanhamento das ações judiciais relacionadas aos homicídios e outras violências no meio rural”, conclui a defensora.
Serviço
O Núcleo das Defensorias Públicas Agroambientais (Ndpa) atua em casos de conflitos coletivos pela posse e propriedade da terra em áreas rurais, incluindo disputas por direito de passagem e territórios tradicionais. Para solicitar atendimento, entre em contato pelo e-mail: coordenacaoagrarias@defensoria.pa.def.br.
Sobre a Defensoria Pública do Pará
A Defensoria Pública é uma instituição constitucionalmente responsável por garantir assistência jurídica integral e gratuita à população em situação de vulnerabilidade, prestando orientação e defesa em todas as instâncias, de forma coletiva ou individual, priorizando a conciliação e a promoção dos direitos humanos e da cidadania.