À medida que ia crescendo em meio à natureza da Comunidade Boa Vista do Acará, Gerson Tadeu Teles e Teles, conhecido por todos como Charles, foi habituado a acompanhar o ritual repetido por seus familiares e vizinhos sempre que sentiam a necessidade de atrair boas energias. Das ervas plantadas ali mesmo nos quintais das casas, vinha toda a energia necessária para não apenas perfumar o corpo, como também para atrair o que de bom a natureza tem a oferecer. Parte da cultura paraense, o banho de cheiro que sempre foi tão conhecido dele hoje tem atraído cada vez mais visitantes que escolhem passar pelo processo em meio à floresta.
É na casa onde mora com a família, no Igarapé do Piriquitaquara, na Ilha do Combu, que Charles recebe os visitantes e turistas que chegam interessados em vivenciar a experiência de tomar o banho de cheiro tendo a floresta como companhia. No alguidar de cerâmica posicionado estrategicamente na beira do rio, ele deposita as setes ervas perfumadas utilizadas na preparação do banho, e também o conhecimento ancestral que foi passado de geração em geração, até que chegasse a ele.
“Nós nascemos e nos criamos na floresta. A minha mulher é daqui do Combu e eu sou do Acará. Lá, os meus avós e os meus pais sempre plantavam erva só para o nosso próprio consumo. Era pra fazer um remédio, para curar uma dor, para fazer xarope para curar garganta inflamada e para o banho de ervas, um banho de limpeza para trazer boas energias”, conta Charles. “Isso sempre fez parte da nossa cultura, é uma cultura do paraense”.
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Charles conta que a Comunidade Boa Vista do Acará, onde foi criado, é uma grande produtora de ervas de cheiro e medicinais. Hoje, muitas famílias que vivem na comunidade, incluindo a dele próprio, ainda garantem uma fonte de renda a partir do cultivo e da venda dessas plantas que passam de 50 tipos diferentes de ervas. Ainda hoje, é lá na comunidade que Charles vai toda semana colher as ervas usadas nos banhos de cheiro oferecidas no empreendimento de turismo de experiência que ele mantém com sua esposa Iracema na Ilha do Combu, o Ygara. “Desde a nossa infância, o banho de cheiro era uma coisa comum e não era só na minha família, mas sempre nas famílias das pessoas que vivem na floresta. E a gente foi aprendendo com eles, com os mais antigos”.
Dos mais velhos, Charles ouviu o relato de que, séculos atrás, o uso das ervas de cheiro para se perfumar já fazia parte do modo de vida de um povo indígena que viveu na área onde hoje está a Comunidade Boa Vista do Acará. Apesar da tradição ter atravessado séculos até os tempos de hoje, o empreendedor conta que viu esse conhecimento começar a se perder e, então, teve a iniciativa de oferecer a possibilidade de os visitantes que buscam o turismo de base comunitária também conhecerem essa parte da cultura das famílias paraenses que vivem nas florestas. “No ano de 1600 a única maneira que os indígenas tinham de se perfumarem e de se curarem de algum problema era através das ervas. Então, aquilo veio de tradição na família, algo ancestral mesmo. Hoje, chegando na nossa geração, a gente sente que isso se enfraqueceu um pouco e estamos fazendo esse resgate da nossa cultura que estava se perdendo”, conta. “Eu digo que hoje nós somos resistentes porque não é fácil, existe muito preconceito em cima desse trabalho com as ervas. Apesar de muitas pessoas gostarem de se perfumar, não entendem que o perfume é feito das ervas, das raízes, das sementes”.
Na época em que ainda era criança no Acará, Charles lembra que as famílias não costumavam oferecer o banho de ervas, era algo que faziam para eles próprios e para os vizinhos, para a família. Por isso mesmo, o seu pai sempre dizia que não havia época certa para fazer o banho, bastava sentir que a energia não estava boa, para recorrer à energia das plantas e da natureza. Já na cidade, em Belém, a tradição costuma atrair as pessoas para o banho de cheiro nos períodos do ano novo e da quadra junina.
“Deus está aqui em todo ser vivo”
Sobre os efeitos do banho preparado através da maceração das ervas que emanam um perfume único, Charles sempre explica para os que procuram o banho que é preciso acreditar e ter fé. “Eu digo que para tomar o banho de cheiro e receber essa energia você precisa estar conectado e entender toda essa coisa boa que Deus deu e ter fé. Eu sempre coloco Deus em primeiro lugar porque, para mim, Deus é natureza, ele está aqui em todo ser vivo. Então, quando eu faço um banho de ervas sempre falo para as pessoas que elas precisam acreditar e ter fé, tudo depende de cada um de nós”, aponta, ao explicar que o banho de cheiro não tem relação com nenhuma religião específica.
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Das pessoas que recebe no seu espaço para vivenciar experiências ribeirinhas diversas, incluindo o banho de cheiro, Charles costuma ouvir relatos sempre muito positivos sobre a energia proporcionada pela floresta. Foi o caso da paulista Camila Queiroz, que visitou Belém pela primeira vez no período do aniversário da capital paraense. Entre os locais que não poderiam ficar de fora do roteiro, esteve justamente a Ilha do Combu, onde, assim que conheceu a história do banho de cheiro através do Charles, ela fez questão de passar pela experiência. “Belém é muito rica, Belém tem muita cultura e é uma cultura que a gente não aprende em escola. Uma coisa que a gente precisava ter nas escolas era história amazônica, a história da cultura africana que a gente não tem. Então, foi muito legal quando a gente soube da Cabanagem, por exemplo, que a gente não fazia ideia”, contou. “E a experiência do Banho de Cheiro foi perfeita também, um grande bônus no passeio. Foi bom vir aqui para ter esse aconchego e fazer isso aqui no meio da floresta é outra coisa. Eu só quero sorrir o tempo todo”.