Agnaldo Rayol, morto na madrugada desta segunda-feira (4), é de um tempo em que artistas eram polivalentes e tinham múltiplos talentos. Ele não era apenas cantor, mas foi um celebrado ator e apresentador, cuja carreira longeva e de imenso sucesso comercial se confunde com as histórias do rádio e da TV no Brasil. O artista morreu após sofrer uma queda e bater a cabeça no apartamento onde morava, em São Paulo.
Rayol estreou no rádio na década de 1940 (algumas biografias dizem 1943, aos cinco anos de idade, outras cravam 1946, aos oito anos), quando participou do programa “Papel Carbono”, apresentado por Renato Murce na Rádio Nacional do Rio, interpretando a canção italiana “Matinatta”, de Ruggero Leoncavallo, famosa pela gravação de Enrico Caruso, feita em 1904.
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Menino-prodígio do rádio, Rayol estreia no cinema em 1949, aos 11 anos de idade, no filme “Também Somos Irmãos”, dirigido por José Carlos Burle, ao lado de um elenco de artistas fora de série como Grande Otelo, Jorge Dória, Ruth de Souza e Vera Nunes. Segundo o historiador Antônio Leão da Silva Neto, foi o primeiro filme brasileiro a abordar o problema do preconceito racial. Rayol interpretava um menino pobre que foi adotado e tinha irmãos negros. Ele cantou acompanhado por orquestra e agradou tanto que foi chamado pelo diretor Burle para seu filme seguinte, “Maior Que o Ódio” (1951), produzido pela Atlântida. Agnaldo Rayol faria mais de uma dezena de filmes até 1976, quando trabalhou na produção erótica “Possuídas pelo Pecado”, de Jean Garrett.
Rayol tinha 20 anos e já era um veterano do cinema e do rádio quando gravou, em 1958, seu primeiro LP, que leva o nome do cantor e trazia interpretações para canções de Vinicius de Moraes (“Serenata do Adeus”), Tom Jobim e Vinicius (“Eu Não Existo Sem Você”) e Silvio Caldas e Orestes Barbosa (“Chão de Estrelas”). Apesar de cantar repertório de astros da bossa nova, Agnaldo Rayol tinha um estilo vocal muito diferente do pessoal de Ipanema: com sua potente voz de barítono, foi um legítimo representante do bel canto, a tradição operística italiana.
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Na década de 1960, Agnaldo Rayol atingiu o auge de popularidade. Suas canções sentimentais, sempre interpretadas com técnica impecável e potência –não era chamado “O Rei da Voz” à toa- atingiam em cheio os corações dos ouvintes de rádio e das fãs que acompanhavam Rayol pela TV em programas como “Corte Rayol Show”, da Rede Record, ao lado do comediante Renato Corte Real. Com a saída de Corte Real, dois anos depois, o programa passou a se chamar simplesmente “Agnaldo Rayol Show”.
Em 1965, Rayol foi uma das atrações da edição de estreia do programa “Jovem Guarda”, mas, diferentemente de Roberto Carlos, Wanderléa e Erasmo Carlos, não se bandeou para o lado do ie-ie-iê dos Beatles ou do pop italiano, dois baluartes do som da Jovem Guarda. Agnaldo Rayol nunca abandonou os boleros e as baladas românticas.
Era um artista tão famoso que, em 1968, a gravadora Copacabana o escalou para gravar 12 músicas escolhidas pelo então presidente militar Costa e Silva no LP “As Minhas Preferidas – Costa e Silva – Na Voz de Agnaldo Rayol”. Na capa aparecem Costa e Silva, a esposa, Iolanda, e a neta, Carla, e o repertório trazia clássicos de Chico Buarque, Noel Rosa, Ary Barroso e Herivelto Martins, entre outros.
Nos anos 1980, com a explosão das rádios FM e a busca cada vez mais forte pelo público “jovem”, intérpretes mais ligados ao bolero e à música romântica, como Moacyr Franco, Agnaldo Timóteo, Angela Maria e Nelson Ned penaram para conseguir manter-se nas programações das rádios. Agnaldo Rayol espertamente concentrou seus esforços na televisão, comandando por cerca de oito anos o programa “Festa Baile”, na TV Cultura, que apelava ao público de terceira idade e tinha um ar nostálgico, com crooners do passado cantando com a orquestra do maestro Sylvio Mazzuca. O programa parecia um túnel do tempo, levando o telespectador de volta a uma época em que cantores e cantoras não se intimidavam com um dó de peito.