Em estudo recente abrangendo o sul da Amazônia e parte do Cerrado, realizado no estado de Mato Grosso, pesquisadores observaram que a ocorrência de incêndios ativos por km² em Unidades de Conservação e Territórios Indígenas chegava a ser três vezes menor do que em áreas de usos múltiplos. O que comprova o quanto as áreas protegidas atuam como barreiras para o desmatamento, incêndios florestais e a degradação. Mas, segundo os pesquisadores, essa barreira está enfraquecendo. A capacidade das áreas protegidas em manter a floresta intacta já começou a reduzir, principalmente na borda sul da Amazônia, onde a degradação florestal tem sido associada a secas intensas e incêndios florestais. “Na parte sul da Amazônia nós já conseguimos perceber uma estação seca de três a quatro semanas maior que em outras regiões”, diz o pesquisador Divino Silvério, da Universidade Federal Rural da Amazõnia (Ufra), campus Capitão Poço.
Os dados fazem parte do artigo “Indigenous lands and conservation units slow down non-GHG climate change in the Cerrado-Amazon ecotone”, de autoria dos pesquisadores Hellen Almada, Marcia Macedo, Eddie Lenza, Leandro Maracahipes e Divino Silvério. O artigo foi publicado nesta quinta-feira (04) na revista Perspectives in Ecology and Conservation, da Elsevier.
A partir das análises de dados geoespaciais, os pesquisadores observaram que a vegetação nativa no Mato Grosso diminuiu 10% nas últimas duas décadas, saindo de 73% em 2000 para 63% em 2020. Segundo o professor Divino Silvério, essa mudança representa uma área de 91 mil km² de vegetação nativa que foi convertida para outros usos, principalmente pastagem e lavoura. De toda essa área de floresta que foi convertida, 69% está localizada na Amazônia e 31% no Cerrado.
O professor explica que as áreas protegidas tem uma contribuição importante para os serviços ecossistêmicos associados à regulação do clima, porém, com a degradação das áreas protegidas e o aumento de temperatura, essa contribuição ambiental está ameaçada. Diversos serviços associados à regulação do clima são reduzidos drasticamente com a substituição de áreas de floresta, como a capacidade de ciclagem de água por meio da evapotranspiração. A evapotranspiração tem efeito direto nos padrões de chuva e da capacidade do ecossistema em manter uma vegetação florestal.
Hellen Almada, Dra em Ecologia e Conservação, pesquisadora no Instituto Tecnológico Vale e autora que liderou o estudo, explica que o estado de Mato Grosso se destaca pela sua divisão entre dois dos maiores biomas do Brasil, a Amazônia e o Cerrado. “Nós observamos um aumento de 1.5ºC na temperatura de áreas de uso múltiplos enquanto as áreas protegidas apresentaram aumentos bem menores, cerca de 0.2ºC na Amazônia e 1ºC na porção de Cerrado do Estado”, diz.
A expansão agrícola na região é considerada preocupante. “Nos últimos anos, o estado tem passado por intensas transformações na paisagem, sobretudo devido à expansão de áreas de pastagem e agricultura. A maior parte dos remanescentes florestais está protegida dentro de unidades de conservação e terras indígenas. Nossos resultados mostram que a contínua perda de vegetação nativa pode colocar em risco o equilíbrio energético e hídrico regional e comprometer o funcionamento ecológico e econômico. O aumento da produção agrícola sem mais desmatamento exigirá o desenvolvimento de tecnologias para intensificação sustentável e recuperação de terras desmatadas e subutilizadas”, diz.
Segundo Divino Silvério, a ideia de que a floresta é úmida e não queima, não corresponde mais à realidade. Se durante décadas era difícil ter fogo avançando pela floresta e os incêndios eram ocasionados por ações humanas, agora a situação é diferente. “Os incêndios eram associados à limpeza de áreas de pastagem, mas não adentravam para a floresta ainda conservada. Isso porque o clima era estável, sem secas extremas, com alta umidade a maior parte do ano, o que impedia que os incêndios avançassem para as áreas de florestas. Agora temos um aumento na temperatura registrada na Amazonia. Já são cerca de 2ºC de aumento de temperatura do que era a 40 anos atrás”, diz.
O pesquisador explica que o aumento da temperatura tem um impacto considerável em deixar as florestas mais inflamáveis. “Mesmo as florestas intactas ficaram vulneráveis ao fogo. O desmatamento para pastagem começou a avançar muito para a floresta. Mesmo o fogo de populações tradicionais, que fazem o manejo de fogo em pequena escala, já causam incêndios que podem sair do controle”, diz. Em pesquisa de campo com indígenas anciãos em área de floresta e cerrado os pesquisadores verificaram que as áreas úteis para os indígenas estão se tornando raras, então está cada vez mais difícil encontrar espécimes florestais com fins medicinais, de alimento e de construção.
Território Indígena do Xingu já perdeu 189 mil hectares de floresta preservada
Em outra pesquisa, liderada pelo professor Divino Silvério em 2022, foi detectado que 189 mil hectares de floresta preservada no Território Indígena do Xingu (TIX) foi perdido nos últimos 20 anos. O número representa 7% de todo o território. O estudo foi realizado na região nordeste do estado do Mato Grosso (MT), onde está localizado o TIX, que abrange uma área de 2,8 milhões de hectares. O TIX foi criado em 1961 e reúne mais de seis mil pessoas, de 16 etnias diferentes, em 100 aldeias. Localizado no sul da Amazônia, o TIX apresenta menor quantidade de chuvas em relação a porção central da Amazônia. “A estação seca nesta região já aumentou em quase um mês. Este aumento na duração da estação seca está associado ao desmatamento e às mudanças no clima, assim é importante entender se as unidades de conservação e terras indígenas continuam desempenhando o papel de proteção das florestas e da biodiversidade”, diz.
No território, 102.918 mil hectares já foram devastados pelas chamas em 2020, de acordo com o Instituto Centro de Vida (ICV). De acordo com os estudos, os pesquisadores verificaram que 25% de toda a área do TIX já queimou pelo menos uma vez. “As florestas estão sumindo e se transformando em grandes áreas abertas e degradadas”, diz o pesquisador. Mas ainda existem formas de mitigar esses impactos? Segundo o pesquisador, sim. Mas são urgentes. “A principal ação é zerar o desmatamento e fazer o controle imediato de incêndios florestais. É preciso criar alternativas para o uso do fogo, as queimadas ameaçam todas as outras ações que podem ser realizadas. Se não proteger os sistemas contra o fogo isso neutraliza as outras ações”, diz. Essas outras ações incluem proteger florestas secundárias, reservas e áreas de proteção permanente. “Tudo isso associado a uma política de bioeconomia que tenha base florestal para a Amazônia, como os sistemas agroflorestais, que garantem uma série de serviços em larga escala”.
Yale
A experiência de pesquisa no Território Indígena do Xingu e os trabalhos realizados na Amazônia e Cerrado foram compartilhadas pelo professor Divino Silvério (Ufra campus Capitão Poço) na Universidade de Yale, nos Estados Unidos (EUA). O professor foi um dos convidados para ministrar o workshop “Incêndios Florestais Tropicais: uma visão integrada para evitar o Tipping point (ponto de não retorno) na Amazônia”, evento que reuniu cientistas e especialistas de vários países e que discutiram evidências, apresentando experiências que pudessem auxiliar a avaliar potenciais, propor medidas e abordar as formas de melhorar a integridade das florestas e das populações que a habitam, diante das mudanças climáticas. O workshop foi organizado pelo professor Dr. Paulo Brando (Yale School of the Environment), Dr. Ane Alencar (IPAM) e Dra Marcia Macedo (Woodwell Climate Research Center). Um resumo desses estudos deve ser publicado em artigo científico.
Com informações de Vanessa Monteiro/Ufra
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