FÁBIO BISPO
FLORIANÓPOLIS, SC (FOLHAPRESS) – Em julho de 2019, após pedir demissão do emprego em um hotel de Belém (PA), Tatiana Martins de Oliveira, 30, desembarcou em Florianópolis (SC) para passar alguns dias na casa de uma amiga de infância que havia migrado para a cidade no Sul do país. A ideia era aproveitar umas “férias forçadas” com o dinheiro do seguro-desemprego.
Mas ela não demorou muito para mudar de ideia. “Eu tinha passagem de volta comprada para dezembro, mas consegui um emprego em um supermercado aqui em Florianópolis. Então, fui para Belém, conversei com a minha mãe e voltei”, diz. Hoje, Oliveira comanda a equipe do primeiro restaurante paraense na capital catarinense, onde recentemente foi promovida a gerente.
O movimento de paraenses para Santa Catarina se tornou um capítulo à parte nos estudos da socióloga e professora Andréa Bittencourt Pires Chaves, que pesquisa movimentos migratórios na UFPA (Universidade Federal do Pará).
Chaves coordenou o estudo “População em deslocamento: a força de trabalho paraense em Santa Catarina”, publicado em 2022, no qual buscou entender o que tem levado tantos paraenses a migrarem para o estado. “É uma estratégia dramática para superar o desemprego em busca de melhores condições de vida”, diz.
“A principal intenção dessas pessoas é conseguir trabalho assalariado para obter melhores condições de vida”, afirma a pesquisadora. “No Pará, a realidade para a maioria é marcada pela falta de empregos e de equipamentos públicos básicos, como saúde, educação e segurança.”
A história de Rachel Oliveira, 29, e Pablo Bismark, 30, não foi muito diferente da de Oliveira. O casal saiu do bairro Parque Verde, na capital paraense, para trabalhar em uma empresa de tecnologia. Ela é jornalista, e ele, consultor comercial.
Eles chegaram à capital de Santa Catarina em 31 de dezembro de 2023. “É um lugar que tem muitas oportunidades, melhor segurança e mais chances de trabalho”, diz ela, que hoje atua como supervisora de marketing.
Não existe uma explicação muito clara do motivo de a capital ser o destino. Na opinião de Chaves, os paraenses conseguiram construir um ecossistema próprio no Sul do país. “O que temos visto é que um amigo, um familiar ou um parente já está em Santa Catarina e, aos poucos, outros também vão. É um fenômeno tão curioso que ruas inteiras fretam ônibus para partir para Santa Catarina.”
A pesquisadora destaca ainda que o principal setor procurado pelos paraenses é o de serviços, que oferece salários maiores que os pagos em Belém e com carteira assinada.
Ainda segundo Chaves, a organização econômica no estado catarinense privilegia a oferta de vagas para migrantes.
O último Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), divulgado em 2022, aponta que os filhos de mães paraenses representam 2,2% dos nascimentos em Santa Catarina. O estado do Norte figura em quarto com maior número de mães no estado, atrás apenas dos nascidos com mães com origem no Paraná (9,4%), Rio Grande do Sul (7,9%) e São Paulo (3,1%).
O desenvolvedor de software Vitor William Serrão da Silva, 28, migrou com a família para Santa Catarina em 2008, quando a mãe, Lucy Cleide Serrão de Oliveira, 45, decidiu partir em busca de um emprego melhor no Sul do país após uma reviravolta na renda da família.
“Vendíamos refeições em uma banca no centro de Belém, atendendo camelôs e comerciantes. No entanto, uma decisão municipal de remover os camelôs das ruas afetou as vendas, nos deixando sem estabilidade”, afirma Serrão. Em Florianópolis, a mãe encontrou um emprego com serviço de limpeza, com carteira assinada, e ele trabalha em uma empresa de tecnologia.
O eletricista Adriano Ribeiro, 48, deixou esposa e três filhas em Ananindeua, na região metropolitana de Belém, e chegou em Florianópolis há três meses em um ônibus fretado. Trabalhando como ajudante de pedreiro e vendendo chocolate à noite na região dos bares do centro da cidade, ele quer buscar a família.
“Eu estou procurando um emprego na minha área, que é de fibra ótica, já entreguei currículo e estou esperando uma oportunidade”, diz ele, que considera a experiência positiva até agora. “Aqui os trabalhos pagam mais e eu consigo fazer um extra vendendo chocolate. A segurança também conta, a cidade é bem menos violenta.”
Na internet, existem páginas dedicadas especialmente para população paraense que vive em Santa Catarina, nas quais são compartilhadas experiências, anunciadas vagas de empregos e até mesmo de empresas que realizam a viagem em ônibus fretados com preços entre R$ 500 e R$ 800.
Tatiana Martins de Oliveira, a gerente do restaurante que serve exclusivamente comidas típicas paraenses no centro de Florianópolis, diz que a maior parte do público do estabelecimento é composta de pessoas vindas do Pará.
No entanto, aos poucos, os “manezinhos”, como são conhecidos os nativos da capital catarinense, também voltam para provar mais uma vez o açaí puro, vindo de Castanhal, cidade produtora no Pará, ou o tacacá, o camarão e a farinha, todos trazidos da região Norte.
“Sou de uma família de sete irmãos; nossa mãe nos criou na feira, vendendo café da manhã. Todos nós trabalhamos com ela. No Pará, não temos ofertas de emprego como aqui”, afirma a paraense, que recentemente se casou com um baiano que também conheceu em Santa Catarina.
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